A pedido de vários visitantes deste blog, escrevo algumas linhas pessoais sobre o que se pode entender do poema anterior de Saná'í, citado por Bahá’u’lláh em Seu místico
Os Quatro Vales.
A citação mencionada no
post anterior é extraído do Quarto Vale, onde os ‘Arifán (os dotados de conhecimento místico) pretendem alcançar a união com a Divindade, a fonte absoluta do Amor Absoluto.
Desta forma, a aproximação à fonte de amor torna-se no
sentido da vida do buscador, do viajante pelos vales. Vamos de encontro ao comentário de Catarina Gomes (a 15 de Julho) que afirma “Ao não recusarmos a cobiça e ao deixarmo-nos levar por sentimentos negativos estaremos como que perdidos e sem rumo”, e viveremos, conforme comentado por Patrícia M. (a 12 de Julho) “numa perspectiva de eterna insatisfação”.
Frankl explica que ao irmos à procura do prazer por ele mesmo acabamos por frustrar tanto a vontade de prazer como a vontade de sentido. Ainda, diz que o prazer deveria ser o efeito secundário das nossas acções com sentido. Desta forma, o coração dominado pela cobiça, ambição, ganância e desejo contínuo e persistente não nos permitirá encontrar o nosso objecto de amor.
Um homem ao qual uma mulher acaba de dizer que o ama, pode começar a dançar e cantar. E fazendo-o ele afasta a sua mente do prudente e difícil comportamento que terá que manter se quiser merecer este amor e aumentá-lo, para possui-lo através de incontáveis detalhes (sorrisos, pequenas atenções, etc.). Ele afasta-se até da própria mulher.
Tanto ele a queria (“coração cobiçoso”) que ao ter atingido a sua meta, perde-o pela sua própria conduta!
Elaheh (a 16 de Julho) menciona a possibilidade de que na segunda parte do poema a tradução possa diferir do original. Ao que parece o original menciona um traje que protege à alma (mais que uma mortalha). O nosso erro torna-se assim em confundir “coração amortalhado” com coração em dor e sofrimento. Se assim fosse, concordar com o poema impedir-nos-ia de concordar com os valores de atitude de Frankl, na medida em que para ele o sofrimento e a dor são uma via para crescimento e o progresso, pois “o homem enfermo, o homem que sabe como sofrer, como plasmar os seus sofrimentos em logros pessoais” (1982) saberia “Reunir-se com a rosa da beleza”.
Eliminada esta hipótese só nos resta concordar com
Savi (obra por publicar) que afirma “O dístico de Saná’í citado por Bahá’u’lláh parece sugerir que nada, nem a fina roupa, deveria intervir entre o homem e Deus”, da mesma forma que a
mariposa que sabia e entendia a realidade da chama foi a que se fundiu com a chama.
Tratando-se dum poema cujo “estilo de verso [é] comummente chamado poesia erótico-mística" (
Bausani,
Religion in Iran) poderíamos aplicar isso à vida de casal. Numa epístola,
'Abdu'l-Bahá admoesta a um casal que “Juntos fazei menção de nobres aspirações e conceitos celestiais. Que não haja segredos entre vós” e numa celebração pública de casamento profere “Agora vós dois não sois mais dois, mas um. O desejo de
Bahá’u’lláh é que todos os seres humanos tenham o mesmo propósito e se considerem partes de uma grande família”.
O amante deveria assim, desprendido de cobiça e em humildade, aproximar-se tanto do Bem-Amado, de forma a que nenhum véu ("mortalha" em português ou "vestimenta" em persa) possa remanescer entre eles.
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